Amigue, todes, bem-vinde, elu. Quem ainda não se deparou com uma dessas palavras? Seja em um texto ou em alguma conversa, o fato é que o uso da linguagem neutra tem sido cada vez mais comum, especialmente na internet. Ela tem gerado questionamentos, dúvidas e até proibições, como a que ocorreu no estado de Santa Catarina, que não permite sua adoção em documentos oficiais.
Por outro lado, a linguagem inclusiva também vem ganhando espaço. No Manual prático de linguagem inclusiva, André Fischer que, entre outras atividades, milita pela igualdade e direitos civis da população LGBTQIA+, afirma: “Falar e escrever tomando cuidado ao escolher palavras que demonstrem respeito a todas as pessoas, sem privilegiar umas em detrimento de outras. Esse é o objetivo de quem usa a linguagem inclusiva”.
Como esse debate tem crescido nos últimos anos entre estudiosos de linguística e de gênero, preparamos este artigo para esclarecer os principais pontos da discussão e trazer o que dizem aqueles que são contra e a favor da proposta.
O que é linguagem inclusiva e linguagem neutra?
A linguagem inclusiva, também chamada de não sexista, busca promover uma comunicação que não exclui ou invisibilize qualquer grupo social.
“A busca por substituir marcadores de gênero no discurso é um processo que explicita respeito e empatia, princípios básicos que deveriam reger as relações sociais”, destaca André Fischer no manual que citamos no início.
Assim, além de manter o idioma da forma como o conhecemos, a linguagem inclusiva evita ainda o masculino genérico. Um exemplo seria a substituição de “todos estão convidados” por “todas as pessoas estão convidadas”.
Já a linguagem neutra, também tem como objetivo a inclusão de todas as pessoas. A diferença é que propõe novas grafias de palavras como, por exemplo, namorade e todes.
Entre os principais defensores dessas mudanças está a comunidade LGBTQIA+, por entender que esta é a forma ideal de fazer referência a grupos ou indivíduos que não se encaixam no padrão binário, que só considera os gêneros masculino e feminino (para saber mais sobre gênero, o G1 Explica produziu um vídeo super didático para não deixar dúvidas).
No Manifesto ILE para uma comunicação radicalmente inclusiva, a CEO da [DIVERSITY BBOX] Pri Bertucci e a psicóloga Andréa Zanella, defendem o uso de um novo pronome de gênero, o “ile”, criado por elas. “Essa nova palavra, esse novo pronome de gênero ‘ile’, é uma tentativa de questionar a ‘norma’, a cis-heteronormatividade, aquele conceito que diz que ‘o certo é homem, macho e masculino e mulher, fêmea e feminina’. Pode parecer estranho, já que o resto das palavras na língua portuguesa são femininas ou masculinas”, comenta.
Elas também reforçam que “a vida não é estática, assim como nossa língua, que aceita os neologismos para poder retratar novas realidades”.
O que diz quem é contra
A professora Cíntia Chagas, colunista da Forbes e autora dos livros “Sou péssimo em português” e “Um relacionamento sem erros (de Português)”, não concorda com essa proposta e afirma que “o uso da linguagem neutra prejudica o aprendizado nas escolas e não inclui ninguém. Isso porque atrapalha a compreensão das pessoas que têm dislexia, confunde os surdos que se comunicam através da leitura labial e atrapalha os cegos que leem através de softwares, já que os aparelhos precisariam ser reconfigurados para abarcar o dialeto”, defende.
Quem é contrário à linguagem neutra diz que é preciso garantir o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e as orientações legais de ensino, que foram estabelecidas com base nas orientações nacionais de educação e pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), consolidado pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
A ABL, que é responsável pela parte de normas, entende que a estrutura do português não admite um gênero neutro. Isso existia no latim e continua no alemão, mas não mais nos idiomas neolatinos.
“Você não altera as regras de gênero, assim como não se muda as regras de formação de plural e de conjugação dos verbos”, afirma o filólogo Evanildo Bechara, que ocupa a cadeira 33 da ABL e é o coordenador da 6ª edição do Volp. “Essa é uma mudança com a qual não é preciso se preocupar porque jamais será aceita totalmente pela comunidade de falantes”.
Tentativas de neutralidade
Na tentativa de se chegar a uma neutralidade, por um tempo o “x” e o “@” foram usados como substitutos às vogais “o” e “a”, marcadores dos gêneros masculino e feminino. Porém, deixaram de ser utilizados por apenas serem possíveis na forma escrita e dificultarem a leitura de softwares, prejudicando pessoas cegas ou com baixa visão e ainda quem possui dislexia. Por este motivo, o “e” acabou se tornando uma solução viável (ex. todes foram convidades).
É importante lembrar que essa discussão faz parte de um campo mais amplo, que é o da comunicação. Para que ela exista, é necessário que a mensagem seja de fato entendida por quem a recebe. Apesar de muitos estudiosos defenderem o gênero neutro, a professora Raquel Freitag, da Universidade Federal de Sergipe, chama a atenção justamente para este ponto. “A forma genérica tem a função de manter o fluxo cognitivo, do processamento das informações. A linguagem não binária pode cumprir com uma demanda identitária, mas tornar o entendimento complexo, excluindo mais pessoas”.
O que fazer então?
Mais do que ser contrário ou a favor, esse é um debate ligado a questões que falam sobre cidadania, inclusão e diversidade – pautas de grande relevância hoje. Por isso, estar bem-informado, ouvir diferentes pontos de vista e saber argumentar é essencial.
Além disso, é importante levar em consideração o contexto e o ambiente em que você estiver. Assim, você poderá utilizar a linguagem mais adequada para que as pessoas se sintam incluídas.